O papel da CVM na inovação: a Instrução CVM 626 e o sandbox regulatório
- Delgado Kardos
- 10 de set. de 2020
- 3 min de leitura
É muito comum que o legislador ou regulador demorem a acompanhar o processo de inovação, de modo que a legislação raramente é atualizada em consonância com o atual cenário evolutivo.
Desta vez, a Comissão de Valores Mobiliários, como reguladora do Mercado de Capitais, se demonstrou preocupada em acompanhar de maneira mais próxima todo o progresso da inovação, criando o chamado sandbox regulatório, por meio da Instrução CVM nº 626/2020. Preocupação esta que a autarquia vem demonstrando já há algum tempo, conforme acompanhamos na publicação da Instrução CVM nº 588/2017 que tratou de regulamentar plataformas de crowdfunding.
Os sandboxes são comumente utilizados na área de TI e significam literalmente “caixa de areia”, ou seja, se trata da criação “artificial” de um ambiente isolado como forma de testar programas, sistemas ou plataformas em produção. Tendo por base este conceito “emprestado” da área de tecnologia, a CVM criou o sandbox regulatório, que é, conforme especifica o artigo 1º, um “ambiente regulatório experimental”, no qual as pessoas jurídicas participantes poderão receber autorizações temporárias para testar modelos de negócio inovadores em atividades no mercado de valores mobiliários regulamentadas pela CVM, sem que se submetam à toda regulamentação vigente, que pode, em muitos casos até inviabilizar a atividade pretendida. Ou seja, a CVM criará um ambiente experimental controlado e isento das exigências regulatórias que incidem na operação das empresas deste setor para que estas atuem em um período certo e definido, testando seus produtos, sem serem engolidas pelo arcabouço regulatório vigente.
A CVM receberá as propostas dos participantes que serão analisadas por um Comitê de Sandbox designado especificamente para este fim, pela própria autarquia, composto por seus servidores. A empresa deverá necessariamente apresentar um modelo de negócio inovador, ou seja, que detenha tecnologia inovadora, faça uso inovador da tecnologia ou que desenvolva produto ou serviço que ainda não seja oferecido ou que seja oferecido com arranjo diverso no mercado.
É importante salientar que a CVM estabeleceu critérios mínimos de elegibilidade para a participação no programa sandbox, de modo que empresas de tecnologia ainda em early stage estão fora no programa, eis que para a participação é exigido que o modelo de negócio tenha sido validado previamente.
Além disto, o artigo 5º da ICVM 626 estabelece que o proponente deve possuir capacidade técnica e financeira suficientes para desenvolver a atividade no ambiente regulatório experimental. Os administradores ou sócios controladores direitos ou indiretos, por sua vez, não podem estar estar inabilitados ou suspensos para o exercício do cargo, nem ter sido condenados pelos crimes previstos na alínea “b” do inciso III do artigo 5º.
Após recebimento das propostas, o Comitê do Sandbox poderá consultar universidades, terceiros, pesquisadores, entidades representativas e associações. As empresas que foram consideradas aptas, constarão no relatório a ser enviado ao Colegiado contendo o descritivo do modelo de negócio inovador a ser testado, a autorização temporária a ser concedida e a recomendação de dispensas de requisitos regulatórios necessários para o desenvolvimento da atividade regulamentada.
Concedidas as autorizações, o Comitê do Sandbox passará ao monitoramento das atividades desenvolvidas pelos participantes, podendo estabelecer mecanismos adicionais para monitoramento dos mesmos em conjunto com outros órgãos ou autoridades reguladoras (ainda que em jurisdição internacional). Por fim, a participação no sandbox regulatório poderá ser encerrada por: a) decurso do prazo; b) a pedido do participante; c) em decorrência do cancelamento da autorização temporária ou; d) mediante registro definitivo junto à CVM para desenvolver a respectiva atividade regulamentada.
Feitos os apontamentos legais acerca do sandbox regulatório, cabe-nos tecer alguns comentários sobre: entendemos que a iniciativa estimulará o crescimento das empresas inovadoras no setor, que por muitas vezes, acabam por falir em decorrência do descumprimento das normas regulatórias. Além disso, o estímulo ao seu crescimento pelo próprio órgão regulador também pode animar os investidores, que muitas vezes deixam de investir nestes modelos de negócio justamente pelo receio destas empresas em crescimento falirem rapidamente por autuação do órgão regulador ou impossibilidade financeira de cumprimento das exigências legais - que são numerosas e muitas vezes impossibilitam seu crescimento.
Ademais, além de proporcionar aos reguladores a possibilidade de evitar lacunas regulatórias, o sandbox também permitirá a mitigação de riscos, uma vez que as empresas participantes poderão testar seus produtos inovadores e até as problemáticas e riscos decorridos destes em um ambiente controlado, o que protegerá também seus futuros clientes e até o mercado em geral da insegurança jurídica.
No mais, acreditamos ser a conduta adotada pela CVM louvável, e deveria ser observada e tida como paradigma pelo legislador, que ainda em tempos modernos, teima em manter a legislação arcaica e desatualizada para outros setores.
Camila Machado Boueri é advogada especialista em Direito Societário e Startups.
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